Dora Incontri
O assunto é pesado, mas não podemos nos omitir em tecer algumas reflexões em torno de um episódio ocorrido dias atrás na Federação Espírita do Estado de São Paulo. Chequei a informação em diversas fontes, antes escrever esse texto. Resumindo, para quem não soube ou não leu nas redes sociais, um companheiro espírita, Claudio Arouca, ficou desaparecido mais de 48 horas e a última notícia que se tinha dele era de que ele estava na FEESP. A família, depois de algumas horas do desaparecimento, desesperada, procurou a instituição e, pelo que narraram, não foi acolhida, não lhe foram fornecidas as gravações das câmeras e ninguém procurou pelo desaparecido. Apenas 48 horas depois, receberam da própria FEESP um telefonema dizendo que o corpo tinha sido encontradoT no banheiro. Mas nem assim, foram melhor tratados. Não puderam ter acesso imediato ao familiar que havia morrido de um enfarte, porque estava havendo uma festa na Federação.
Só depois de muitas horas, o corpo já em putrefação, de que não puderam fazer nem velório, foi retirado. Além de todo surrealismo da situação, ainda foram destratados pela diretoria.
Esse episódio não me surpreende porque há muito que a FEESP é uma instituição onde a briga por cargos e poder já levou até a polícia lá para dentro, onde a impessoalidade é a tônica da uma instituição que cresceu tanto que perdeu o o caráter de acolhimento humano – o que se revela no extremo de uma situação como essa, que aqui comentamos.
O problema é que a desumanização de instituições espíritas tem sido um sintoma muito grave de parte do movimento.
Sem dúvida que esse movimento reflete um cenário do mundo pós-moderno, hipercapitalista, em que o ser humano está cada vez mais perdendo as referências de ser humano. Justamente na semana desse acontecido, havia lido uma reportagem pavorosa no El País, em que se conta de pessoas que têm sido encontradas mortas há 3, 4, 5 anos na Espanha, mumificadas pelo clima seco e de que ninguém deu pela falta delas. Nenhum contato na vizinhança, pessoas sem familiares, sozinhas, solitárias, abandonadas.
Há algo mais estarrecedoramente desumano e triste do que essa morte sem nenhum afeto, sem nenhuma presença, sem nenhum cuidado?
E, de repente, vemos um fato como esse do companheiro Claudio Arouca (que os Espíritos bons cuidem dele como devem estar cuidando!), ocorrer dentro de uma instituição que se diz espírita!
Cabe-nos, portanto, questionarmos o que estamos fazendo enquanto movimento para nos diferenciarmos e resistirmos a essas tendências do mundo pós-moderno, em que o ser humano nada vale e não é notado olhos nos olhos e respeitado enquanto pessoa?
Kardec achava que os melhores centros espíritas (e isso está no Livro dos Médiuns) são centros pequenos, familiares, onde todos se conhecem e se gostam, pensam de forma afinada, estejam em sintonia afetiva e espiritual. Ora, no Brasil, há centros que viraram Igrejas, frequentados por multidões, impessoais – tem até alguns com catraca eletrônica – onde não há nenhum aconchego, nenhum olho no olho e se alguém que, mesmo frequentando a instituição há anos, tiver um comportamento fora da regra, é reenviado ao atendimento fraterno e se reincidente, expulso sem compaixão.
Claro que nada disso tem a ver com princípios como fraternidade, amor ao próximo, caridade ou o que se queira evocar. São centros em que a burocracia tomou o lugar da relação humana e afetiva. Ora, é evidente que num contexto desses, os Espíritos superiores não podem atuar.
É que se observa nesse caso da FEESP. Das pessoas que foram contactadas pela família (não sei quantas foram), por que não houve nenhuma que sentiu qualquer inspiração que o desaparecido estivesse ali na casa? Os Espíritos amigos do desencarnado e da família não tiveram a mínima brecha positiva para inspirar alguém. A desumanidade leva ao endurecimento e ao empedramento da mediunidade.
Tudo muito triste. Mas é necessária uma reação enérgica e vital. Saibamos de novo nos reunir em grupos pequenos, saibamos de novo cultivar amizades sólidas em grupos afins, em que cuidemos uns dos outros, com preocupação e empatia, sintonia e abertura para a inspiração do Alto.
Ainda é tempo de retomarmos o Espiritismo caseiro, onde os Espíritos bons se comunicam, em que todos estudam e participam espontaneamente, sem hierarquias e disputa por cargos. Que o amor despojado seja a tônica das relações entre encarnados e entre encarnados e desencarnados!
Fonte: ABPE – Associação Brasileira de Pedagogia Espírita
1 comentário
Saudações!
Pela minha formação acadêmica (jurídica) e experiência de vida, aprendi ser prudente ouvir todas as partes envolvidas. Com isso, solicitei o posicionamento da FEESP acerca do texto em tela, e espero que eles se posicionaram de forma prudente e serena (ver site da FEESP).
Outrossim, gostaria de propor uma reflexão a nós, Cristãos: meditemos sobre as três peneiras de Sócrates (Pessoas inteligentes falam sobre idéias; pessoas comuns falam sobre coisas; pessoas mesquinhas falam sobre pessoas). Ainda nesse sentido, e sem intenção de ofender ou debater sobre assunto, tampouco julgar quem quer que seja, estudemos a lição 74 do Livro Vinha de Luz, será de grande valia para o nosso aprimoramento.
74 – Maus Obreiros
“Guardai-vos dos maus obreiros.” – Paulo (Filipenses, 3:2).
Paulo de Tarso não recomenda sem razão o cuidado a observar-se, ante o assédio dos maus obreiros.
Em todas as atividades do bem, o trabalhador sincero necessita preservar-se contra o veneno que procede do servidor infiel.
Enquanto os servos leais se desvelam, dedicados, nas obrigações que lhes são deferidas, os maus obreiros procuram o repouso indébito, conclamando companheiros à deserção e à revolta. Ao invés de cooperarem, atendendo aos compromissos assumidos, entregam-se à crítica jocosa ou áspera, menosprezando os colegas de luta.
Estimam as apreciações desencorajadoras.
Fixam-se nos ângulos ainda inseguros da obra em execução, despreocupados das realizações já feitas.
Manuseiam textos legais a fim de observarem como farão valer direitos com esquecimento de deveres.
Ouvem as palavras alheias com religiosa atenção para extraírem os conceitos verbais menos felizes, de modo a estabelecerem perturbações.
Chamam covardes aos cooperadores humildes, e bajuladores aos eficientes ou compreensivos.
Destacam os defeitos de todas as pessoas, exceto os que lhes são peculiares.
Alinham frases brilhantes e complacentes, ensopando-as em óleo de
perversidades ocultas.
Semeiam a dúvida, a desconfiança e o dissídio, quando percebem que o êxito vem próximo.
Espalham suspeitas e calúnias, entre os que organizam e os que executam.
Fazem-se advogados para serem acusadores.
Vestem-se à maneira de ovelhas, dissimulando as feições de lobos.
Costumam lamentar-se por vitimas para serem verdugos mais completos.
“Guardai-vos dos maus obreiros.”
O conselho do apóstolo aos gentios permanece cheio de oportunidade e significação.
Fraternalmente.
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