O Mundo Sem Chico Xavier

por Dorival Strelow
Chico Xavier, o maior brasileiro de todos os tempos

Ao lançar o livro “O Voo da Garça: Chico Xavier em Pedro Leopoldo” em 2010 e, posteriormente, o livro “Nas Trilhas da Garça: Chico Xavier nas Minas Gerais” em 2016, manifestei, inicialmente, duas grandes preocupações: A primeira, pelo fato de ter conhecido e convivido por 21 anos com Chico Xavier e para não prejudicar a pesquisa, tentar manter o distanciamento necessário entre o pesquisador e o sujeito a ser pesquisado. Confesso que não foi e não tem sido uma tarefa nada fácil, mesmo considerando os quase 20 anos do seu retorno à pátria espiritual[1].

A segunda, diz respeito a linha abordada na perspectiva histórica desta trilogia. Compreendo que não será um simples gesto de uma pessoa qualquer que poderá magicamente transformar a forma da organização social em que vivemos. Entretanto, observando a vida e obra de Chico Xavier, pude constatar que a coerência entre o seu pensar, o seu falar, o seu escrever e o seu agir, associada ao seu poder de mobilização gerou uma ação coletiva de proporções surpreendentes e inimagináveis.

Nos anos em que pude conviver com Chico Xavier, o que mais chamou a atenção não foram suas extraordinárias faculdades mediúnicas, mas a sua humanidade. Sendo tão humano quanto nós, ele deu tanto sentido à sua humanidade que se tornou um homem “diferente”, vivendo entre dois mundos, sob a influência do contexto social em que ele renasceu e, ao mesmo tempo, vivendo no futuro do seu tempo e da sua época.

Por isso mesmo, em momentos distintos da sua trajetória, foi incompreendido e perseguido, adorado e mitificado, porém mesmo com tanto desconforto e bajulação não sucumbiu, como muitos, ao sedutor “canto da sereia”. Ainda assim, com tantos críticos e admiradores, diria que Chico Xavier foi um homem solitário. Triste não. Como foram, e são, algumas das “grandes almas” que já transitaram ou transitam nos campos da ciência, da filosofia e da religião.  

Estudando a história da humanidade podemos observar que estas “grandes almas” em todos os movimentos humanos e sociais, vivendo sob o contexto do presente, mas, ao mesmo tempo, no futuro do seu tempo, quase sempre, foram historicamente incompreendidas e, muitas vezes perseguidas e ridicularizadas. Entretanto, posteriormente, costumam ser reconhecidas e valorizadas, porque ousaram, enxergaram para além do inexplorado, do socialmente permitido e do espiritualmente consagrado.

Na verdade, são muito poucos aqueles que dentro de um contexto social individualista e excludente como ainda estamos inseridos, pensam no bem e no interesse coletivo. E para os que desafiam esta lógica o preço deste testemunho não é nada fácil. O próprio Chico é um exemplo de coerência e dedicação, mas que só teve o reconhecimento público em nosso país e para além do movimento espírita, aos 61 anos de idade, a partir dos programas Pinga Fogo em julho e dezembro de 1971.

Imagine você, no início do século XX, na pequena cidade de Pedro Leopoldo, antes Vila Cachoeira Grande ou Cachoeira das Três Moças, em Minas Gerais, um Estado de formação historicamente católico, surgir um estranho e bondoso menino que dizia ter contato com os mortos? Vindo de uma pobreza extrema, este “menino maluquinho”, usando uma feliz e inspirada expressão do escritor brasileiro Ziraldo para um de seus personagens, com o tempo demonstrou tanta coerência que convenceu a muitos de nós das suas reais intenções, se transformando muitos anos depois, em 2012, por votação popular, no “Maior Brasileiro de Todos os Tempos”[2].

Sem nenhuma intenção de divinizar a figura humana de Chico Xavier, diria falando da sua sabedoria e simplicidade que, mesmo tendo duas grandes e belas asas, vivendo a sua humanidade, esta garça permaneceu entre nós com os pés no chão. Um típico mineiro que adorava uma boa prosa e ficava profundamente constrangido com elogios. Em seus 92 anos de idade, escondeu-se o quanto pôde, mas foi “denunciado” e reconhecido pelos seus exemplos. Nasceu simples, viveu simples e morreu simples. Simples assim.

Francisco Cândido Xavier, exerceu a difícil arte de escutar para que muitos pudessem falar e escrever por seu intermédio. Nossa ETERNA GRATIDÃO!

Jhon Harley Madureira Marques.

Diretor-Presidente da Fundação Cultural Chico Xavier em Pedro Leopoldo.


[1] Se tudo correr bem no dia 2 de abril de 2023 estaremos lançando o terceiro livro desta trilogia.

[2] Programa exibido pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) em parceria com a BBC de Londres.

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